Recusar a Paternidade: Homens devem ter esse direito?

Recusar a Paternidade: Homens devem ter esse direito.

Esta ideia é defendida por um investigador que na Universidade do Minho apresentou uma tese de mestrado com o tema “A igualdade na decisão de Procriar”. J. M. R. defende que, tendo a “mulher o direito legalmente reconhecido de abortar ou não abortar, perante uma gravidez não planeada, o homem deve decidir se quer ou não ser pai”.
O Código Civil português, no Artº 1864º manda que, sempre que seja registada uma criança só com a maternidade conhecida, o funcionário comunicará ao tribunal, a fim de se averiguar oficiosamente a identidade do pai. E o artigo seguinte diz como se faz a averiguação oficiosa.
Ainda não percebi muito bem como é que este tema, publicitado nos jornais, passou indelével ao lado de um país de princípios. Talvez porque ande o país demasiado ocupado com a crise e com a angústia de futuro. Talvez que por situações traumáticas do efeito da crise, tenha perdido o espírito crítico. Talvez…!
Pode argumentar-se que é uma conceção apenas material sobre a igualdade de direitos. Mas tem de suscitar debate, tem de aclarar-se a realidade, ou as realidades. Não podemos pensar que um mero exercício académico não tem consequências, porque tem, dado que se baseia em realidades. E não podemos ignorar que as questões existem, porque elas afetam-nos.
Em meu entender, recusar a paternidade, mesmo em termos jurídicos, é uma idiotice completa. Os deveres ou direitos implícitos à paternidade, sim; a lei pode abrir margem para a recusa, e já prevê até a sua inibição em certas situações. Mas recusar a paternidade é em última análise mesmo impossível, porque decorre de um facto, e de um facto biológico. A paternidade é um facto consumado. É-se pai de alguém. Se esse alguém não existisse, também não se era pai. Se existe, é-se pai quer se queira quer não. Pode recusar os direitos que esse facto lhe imputa? Não deve, mas pode, se a lei “quiser” consignar essa aberração. Só que isso é outra coisa.
Mesmo comparar esse pretenso direito com o direito ao aborto (independentemente da questão moral e do concordar-se ou não), é disparate também, no meu entender. Legalmente, a paternidade ocorre no ato do nascimento (biologicamente e moralmente, sabemos que é no ato da conceção). Se há uma conceção e um aborto em qualquer momento do percurso da gravidez, o facto legal da paternidade não chega a ocorrer, por conseguinte é disparate comparar os dois “pretensos direitos”. Seria comparável se, no ato do nascimento a mãe também pudesse recusar legalmente a maternidade. Mas nem consegue porque é uma ocorrência natural que não pode ser recusada, tal como a paternidade. De qualquer modo, aí sim, seria comparável.
Pode ainda considerar-se que o termo “paternidade” adquire na linguagem jurídica uma identidade própria, desligada do ato natural e facto que lhe dá origem. Mas tenho todas as dúvidas que seja lícita essa interpretação, sobretudo porque o direito deriva de factos e conceitos sociais, tem fontes e não é algo que vagueia nas nuvens sem nenhuma conexão com o real.
Por isso, não me parece nem aceitável nem possível, de todos os pontos de vista, sustentar esta ideia peregrina, desprovida e oca.
Uma discussão mais alargada, verdadeiramente necessária e pertinente, haveria de incidir sobre muitas outras questões que no terreno afetam, na prática e na lei, as questões relacionadas com a maternidade, paternidade, a família e, sobretudo, com as crianças. Nesta matéria, se bem que muito se tenha legislado e regulamentado nos últimos 20 anos, em muitos casos na teoria, mas em muitos mais na prática, vamos ao arrepio daquilo que a moral social requer e que a humanidade, em concreto a sociedade portuguesa, necessita. Relacionado com esta temática, apenas algumas perguntas, que darão certamente matéria para muita discussão, que deve ser feita:
·         E quem fala e protege aqui no direito que a criança tem em conhecer o pai? Sim, porque certamente tem pai(?)! É que todos falam no direito do pai, no direito da mãe, mas toda a gente parece esquecer-se que o estatuto de pai e de mãe, só existem porque existe um filho. É este que origina e sustenta o estatuto daqueles. Curioso não é?
·         Sendo assim, a pirâmide legislativa e de conceitos nesta matéria não deveria começar pelo pai ou mãe, mas pelo filho, e muito menos tratar cada vértice do triângulo individualmente como se não existissem os outros. É porque um sem o outro, e sem o outro, não faz essa mítica figura geométrica, que aqui ilustra com excelência esta questão.
·         Toda esta problemática está naturalmente conectada com os direitos da criança, com toda a legislação de promoção desses direitos, de modo especial com os diplomas de proteção de crianças e jovens em risco, da lei tutelar educativa, da lei da adoção e outras conexas, cuja aplicação tem gerado verdadeiros “crimes sociais”, em muitos casos verdadeira desproteção legal de crianças que era suposto a lei proteger, e tudo isto a passar impune aos olhos de todos, promovido pelo próprio estado e pelas instâncias judiciais.
È uma “baralhação” mas, sobretudo, como diz o povo “uma dor de alma” a que, à angústia dos interessados, se junta a angústia do sentimento de impotência para mudar alguma coisa, na lei… e nas consciências!
Luís Matias
(Outubro/2012)

1 comentário:

  1. Uma discussão interessante sem dúvida.
    talvez a introdução da noção de progenitor diferente da noção de pai, possa ajudar a clarificar algumas coisas. porque as duas noções não são iguais, nem sequer idênticos, embora estejam intimamente ligados. pode-se ser progenitor sem ser pai nem mãe (barrigas de aluguer por exemplo)e pode-se ser pai sem ser progenitor (adopção por exemplo).
    é certamente um assunto muito complexo, mas não proibido de discussão.

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