Rede Hospitalar Portuguesa

.
Em 2011 o Sr. Ministro da Saúde nomeou uma comissão para estudar, avaliar e fazer propostas sobre a reestruturação da “rede hospitalar portuguesa”. Foi solicitado contributo a diversas entidades e pessoas dentro do sistema. Reflecti sobre o assunto, espontaneamente, fiz um exercício pessoal difícil (utilizar os conhecimentos mas abstrair-me dos preconceitos, por estar por dentro do sistema), e redigi este documento que, ao tempo, fiz chegar à comissão em nome pessoal (embora com algumas reservas). Sei que não é pacífico, e muito menos consensual, mas quando fazemos as coisas com honestidade, empenho e com o sentido de colaborar com o bem comum e o país que amamos… não temos porque esconder, ou não fazer, só porque pode não ter aceitação. Paciência!
A esta distância (mais de um ano decorrido) e depois de 3 relatórios emitidos a concorrer para este tema, com mais uma comissão nomeada e actualmente em funcões, decidi tornar pública a ideia.


OS RECURSOS DA SAÚDE E A RACIONALIZAÇÃO
(A rede Hospitalar)

Embora consciente de que as ideias aqui expostas, podendo ser interessantes em si mesmas, sem atender a externalidades, misturam interesses que as podem tornar intransponíveis e irrealizáveis, quis ainda assim mesmo propô-las, pelo menos enquanto exercício teórico. Os interesses locais e a política local e regional serão seguramente o maior entrave, pelo que, não tenho dúvida, trata-se de um mero exercício de retórica. Quis mesmo assim faze-lo.

A situação actual do país…
…requer e exige uma intervenção transversal em todos os quadrantes da sociedade e do tecido produtivo, bem como da despesa, com especial relevo para a despesa pública, cuja racionalização emergente se impõe, sob pena da quebra de prestações sociais básicas, por falência, atento o desequilíbrio entre a capacidade de financiar e a de consumir.

A radicalidade de intervenção que a actual situação do país exige, cria também condições (de aceitação, pela consciência da inevitabilidade) como não existem há muitas décadas, para proceder a alterações (neste caso da rede hospitalar), que em outro momento seriam impensáveis, pela resistência local.

A Rede Hospitalar…
…portuguesa hoje, está desajustada das necessidades e da realidade do país. Foi-se organizando ao longo dos tempos com contributo inestimável de diversos actores, e foi-se reacondicionando de acordo com a evolução das tecnologias médicas e da realidade científica, mas sempre a partir de uma estrutura física de herança clássica, que tem na base a prática médica de tipo “João Semana”, e acessibilidades muito precárias no território. A proximidade do Hospital era inevitável, a medicina geralmente praticada era de âmbito muito geral.

Acrescenta-se a esta estrutura alguma proliferação moderna de interesses políticos regionais a prevalecer sobre os interesses nacionais. Ao mesmo tempo que o paradigma da medicina se altera profundamente (para melhor e mais rápida intervenção), construíam-se excelentes, ás vezes mesmo excedentes acessibilidades, mas também se construíam novos hospitais onde já havia outros próximos, sem se atender propriamente ao seu real interesse (veja-se o caso do Médio Tejo, Aveiro Norte e Coimbra). 

A Evolução da Técnica e prática Médica…
… bem como a enorme melhoria das condições de vida e de salubridade dos portugueses veio alterar muito o paradigma do ambiente da saúde em Portugal.

Criou-se uma rede de cuidados de saúde primários que, apesar das ainda críticas existentes, procedeu a uma cobertura total do território, incidindo sobre a prevenção e a assistência básica. O controle epidémico e a melhoria das condições de habitação e alimentação reduziram drasticamente a mortalidade em idades precoces, a potente terapêutica hoje existente permite tratar com muita eficácia em casa, muitas doenças que antes utilizavam por muito tempo camas de hospital.

A enorme revolução operada nos últimos 4 a 5 anos no que respeita à cirurgia de ambulatório, e a outros ambulatórios, associada à rede de cuidados continuados (sobretudo de convalescença e paliativos neste momento em expansão), já libertam (e vão libertar mais a curto prazo) um grande número de camas hospitalares.

Se associarmos estas facilidades a outras práticas já em curso ou em plano de curto prazo, de controlo rigoroso dos tempos de internamento, bem como a especialização em unidades dedicadas, de doenças mais específicas e que exigem internamentos mais prolongados, como as doenças oncológicas, e se tivermos uma melhor cobertura ambulatória de reabilitação, seguramente que as áreas disponíveis em grande parte da rede hospitalar poderão ser reapreciadas e reafectadas, sobrando muito espaço.


As Acessibilidades…
…aproximaram todo o território nacional, e em muitos casos colocaram hospitais (que antes estavam à distância de mais de uma hora, a escassa meia hora ou menos). O mesmo acontecendo com as populações. Simultaneamente, fez-se uma cobertura de cuidados de saúde primários nunca antes imaginada.
Claro que também mudou a consciência da população no que toca à necessidade de acesso. Antes, a população ia ao médico em situações mais extremas. Hoje, ao mínimo sintoma ou simples suspeita, acede-se aos serviços de saúde.

A Proximidade das Populações
Pelas questões de melhor acessibilidade, da rede de socorro (bombeiros e INEM), e por via da rede de cuidados primários espalhados no território, a rede de farmácias e de serviços acessórios de informação (saúde 24, meios de comunicação social, TI’s, e outros), aproximaram-se as populações dos cuidados de saúde, e aproximaram-se os cuidados de saúde das populações.

Resposta Rápida, Segura e efectiva…
…é o que pode desejar a população para os cuidados de saúde. Se ignorarmos questões de protagonismo, questões de política local e outros interesses, garantindo a melhoria de cuidados, uma resposta rápida, segura e efectiva, não se pode pedir nem oferecer mais. E isso não tem de ser garantido através de uma dispersão dos meios mais especializados (como é o caso dos hospitais), pelo contrário, a maior concentração (Q.B.) pode permitir os melhores meios, uma melhor capacidade mesmo científica na discussão de casos difíceis, e uma gestão mais eficaz.

A dispersão em pequenos hospitais, leva a um desperdício de meios, sobretudo técnicos altamente especializados e de equipamentos que nuns sítios não tem clientes ou técnicos para os operar, noutros fazem falta e não existem em número suficiente.

A pouca especialização em pequenos hospitais pode levar, sobretudo no que toca ao acesso de doentes emergentes e de alto risco, à sua morte (muitas vezes evitável), ou ao agravamento com tudo o que isso acarreta de custos (de saúde e sociais). Falamos de risco mal calculado e mesmo diagnósticos errados e, sobretudo, do tempo que medeia entre a ocorrência e a verdadeira capacidade técnica de tratar o doente (em hospital melhor equipado), passando e perdendo tempo (vital) na ida a um hospital sem meios.

Assim sendo e em resumo:
ü      Pelas boas acessibilidades existentes actualmente no território;
ü      Pela alta especialização dos médicos, da medicina e da tecnologia médica (desaparecimento do médico “João semana”);
ü      Pela melhoria das condições de vida, de salubridade e higiene e de alimentação dos portugueses (prevenção primária), e melhor informação;
ü      Pela rede de cuidados primários, com boa proximidade às populações;
ü      Pela implementação da rede de intervenção emergente (INEM) e de transporte de doentes;
ü      Pela evolução da ciência e da técnica médica (diagnóstico e tratamento), e do medicamento, que permite que a maioria das doenças sejam tratadas em casa;
ü      Pela implementação da cirurgia de ambulatório á escala que foi possível fazê-lo, e da evolução próxima de mais e melhores cirurgias, menos invasivas, e de outros ambulatórios (tratamentos em hospital de dia);
ü       Pela necessidade de concentrar os meios altamente especializados (recursos humanos e equipamentos), para os rentabilizar, e permitir actualização permanente (técnico-científico para os RH, e upgrades para os equipamentos);
ü      Para obviar o tempo de intervenção de doentes críticos aos locais devidos, com efectiva capacidade de os tratar, e não enviesar esse tempo acedendo a hospitais mais pequenos;
ü      Pela criação da rede de cuidados continuados, designadamente de convalescença e paliativos, que são uma grande ajuda na gestão de camas de internamento de agudos;

Há que ajustar a rede hospitalar às actuais necessidades e exigências, sem mais, garantindo eficiência e eficácia, que só pode ser assegurada numa lógica de total coordenação de todos os agentes - para lá dos cidadãos: Os cuidados de saúde primários; as farmácias e outros agentes sociais; a rede de transporte de doentes (a emergente e a restante); a rede de cuidados continuados; a rede privada de cuidados de saúde (convencionados); os hospitais.

No sentido da racionalização e da especialização, de forma a melhorar a resposta, reduzindo os custos, propõe-se:

Com esta acção (e sem prejuízo de uma exaustiva avaliação caso a caso, que pode reverter em alguns deles a proposta), implementadas as contrapartidas ou medidas correctivas de reacondicionamento da estrutura de prestação, consegue-se:
ü   Anular o custo das rendas dos imóveis, em quase todos eles, pagas às Misericórdias.
ü   Anular os custos das manutenções de instalações e dos consumos de energias e outros.
ü   Anular os custos de intervenções em benfeitorias.
ü   Dispensar alguns trabalhadores, reduzindo a despesa de pessoal.
ü   Integrar os outros no hospital principal ou por processos de mobilidade, reduzindo assim drasticamente os custos com horas extraordinárias,
ü   Concentrar a tecnologia dispersa por essas unidades hospitalares, de forma a torna-la eficiente.
ü   A migração dos serviços para o hospital principal vai anular custos de comunicações, bem como custos de tecnologias de informação agora descentralizados (licenças de software, servidores, etc.).
ü   Permitirá unificar ficheiros de doentes, dispersos, bem como reduzir o número de actos ao mesmo doente, centralizando informação clínica, o que beneficiará o doente e a administração.
ü   A gestão de actos de saúde diferenciados, entre os cuidados de saúde primários e os hospitais é melhor coordenada;
ü   A concentração de recursos humanos altamente especializados e escassos permite uma melhor gestão, com inerente redução de custos.
ü   A entrega dos edifícios ás Misericórdias é, no geral, para elas uma enorme mais valia, uma vez que a utilização desses edifícios pelo Estado, por tempo indeterminado, com rendas muito baixas (mas com impacto muito significativo na despesa pública), não lhe permite rentabilizar convenientemente essa propriedade. Ficando livres os edifícios, podem finalmente retirar grande mais-valia, quer seja por venda do património, quer por aluguer (com rendas actuais), quer pela reafectação a outras actividades lucrativas, como por exemplo, em alguns casos, afectarem-nas á rede de Cuidados Continuados.

2º Alterações a processar na rede de cuidados de saúde.
Todas as situações terão de ser estudadas caso a caso. Mas algumas questões genéricas, de entre outras, podem ser elencadas:
ü     Os hospitais principais têm de poder absorver o movimento efectuado pelos que encerram. Muitos deles estão já integrados em Centros hospitalares e conhecem, por conseguinte, todas as situações, o que facilita. Alguns deles podem, por isso, ter de proceder a reajustes de espaços e serviços, ou mesmo serem alvo de alguma ampliação.
ü     Os cuidados de saúde primários tem de ser avaliados e em caso de necessidade ser dotados de efectiva e real capacidade de resposta nas áreas que lhe dizem respeito.
ü     Tem de ser muito melhorada a comunicação entre os centros de saúde e os hospitais.
ü     Os hospitais podem descentralizar algum ambulatório para os Centros de saúde, continuando sempre sob sua responsabilidade. Com isso, estes actos mais especializados (sempre os mais comuns), promovem uma aproximação ás populações (em vez de ir toda uma população ao hospital, vai um médico a toda a população), libertam em circulação, movimento e ocupação algumas áreas do hospital. Exemplo: em alguns Centros de Saúde, estrategicamente escolhidos, podem fazer-se, por especialistas do hospital, alguns dias por mês (de acordo com um estudo das necessidades), primeiras consultas de medicina Interna; de Obstetrícia e Ginecologia; mesmo de Cirurgia Geral e oftalmologia.
ü     A Rede do INEM e de outros transportadores de doentes terá de ser muito bem desenhada e corresponder rigorosamente aos padrões estabelecidos.
ü     Em algumas áreas é indispensável o encaminhamento dos doentes (em algumas fases da doença e para actos específicos) para hospitais especializados, sobretudo na área oncológica. No seguimento dos doentes e em tratamentos de ambulatório que possam ser feitos no hospital de proximidade, a responsabilidade dos doentes deve continuar a ser do hospital especializado.
ü     O mesmo aconteça nas doenças infecciosas, relativamente à dispensa de medicação e MCDT’s efectuados em proximidade.
ü     Algumas especialidades, ou pelo menos algumas áreas dentro de especialidades, deverão migrar para hospitais centrais, por razões de controlo de custos e de segurança.
ü     Nestes casos, deverá ser facultada e regulada, a médicos interessados em continuar a trabalhar técnicas específicas altamente diferenciadas e que saem destes hospitais, a possibilidade de afectarem algum do seu tempo no hospital para onde migram as intervenções, de forma a continuarem e a melhorarem as suas aptidões sobre essas técnicas.
ü     Concluir a rede de cuidados continuados (convalescença e paliativos) de forma a rentabilizar rigorosamente os tempos de internamento hospitalar em camas de agudos.

3º Proposta de unidades a encerrar.
O timing de encerramento seria necessariamente diferido, de acordo com a implementação das medidas atrás referidas, ou de outras que se revelem necessárias. Mas seria de implementar um calendário apertado, que não passe de um ano após a decisão, na grande maioria dos casos, e no máximo dois anos para os outros.
A decisão de fecho deveria ser unitária, a implementar depois de acordo com o calendário que se vier a desenhar. Previamente terão de envolver-se os gestores das unidades principais que suportarão o movimento das que encerram, no sentido de auscultar a capacidade imediata de integração, ou dos ajustes, custos e prazos necessários para realizar a operação. Simultaneamente teria de ser avaliada a rede de transportes e de emergência nestas áreas, e as condições e capacidades dos centros de saúde. E facilitar o diálogo, com propostas conjuntas e firmadas entre os Hospitais e os Cuidados Primários.

Proposta de lista de hospitais a encerrar
(em termos públicos e devolver aos seus proprietários):

Ponte de Lima
Macedo de Cavaleiros
Mirandela (???)
Peso da Régua
Fafe
Santo Tirso
Vila do Conde
Valongo
Magalhães Lemos
Joaquim Urbano (Porto)
Maternidade Júlio Diniz
Espinho
Unidade 2 de V. N. de Gaia
Ovar
Oliveira de Azeméis
Estarreja
Águeda
Anadia
Cantanhede
Rovisco Pais
Arnes
Lorvão
Sobral Cid
Maternidade Daniel de Matos
Maternidade Bissaya Barreto (Passa p/ H. dos Covões, c/ o novo centro hospitalar)
Tondela
Seia
Fundão
Pombal
Alcobaça
Peniche
Sanatório do Barrio
Hospital Ortopédico de Carcavelos Dr. José de Almeida
Hospital Ortopédico do Outão
Hospital de S. Paulo – Serpa (???)

(Não são referidos os Hospitais de Lisboa, por conhecer mal a realidade).
(No caso de S.J.Madeira, o CHEDV necessita de uma 2ª unidade, propõe-se a aquisição do edifício)

Luís Matias
(Agosto 2011)

1 comentário:

  1. GRANDE CORAGEM.
    Não percebo nada de "politica" hospitalar,mas é preciso uma coragem imensa e personalidade bem formada para escrever e publicar, desempenhando as funções que desempenha.
    Parabéns - se toda a gente tivesse coragem de publicar o que entende que está mal no seu sector, teriamos de certeza um país melhor, porque todos estariamos a dar contributo em vez de ocuparmos só lugares de espectadores.

    ResponderEliminar